Arquivos Núcleo Direito Público - Lara Martins Advogados https://laramartinsadvogados.com.br/tag/nucleo-direito-publico/ Escritório de advocacia especializados em demandas de alta e média complexidade. Mon, 21 Mar 2022 20:49:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 https://laramartinsadvogados.com.br/wp-content/uploads/2023/07/cropped-LM-favico2--32x32.png Arquivos Núcleo Direito Público - Lara Martins Advogados https://laramartinsadvogados.com.br/tag/nucleo-direito-publico/ 32 32 PCDs: redução de jornada do servidor público Pai/Mãe ou cuidador. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/pcds-reducao-de-jornada-do-servidor-publico-pai-mae-ou-cuidador/ Mon, 21 Mar 2022 20:49:19 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7356 Por Frederico Meyer

 

O dia 2 de abril é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data foi criada pela ONU e é comemorada desde 2008, com intuito de chamar atenção para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), levar informações à população e, ainda, combater a discriminação e o preconceito em torno do tema.

No Brasil, a lei federal nº 13.652, de 13/04/2018, institui nacionalmente em 2 de abril o Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo. Há, também, importantíssima lei de 2012, de nº 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA; trata-se de diploma nacional, incidente, portanto, em todas as unidades da Federação.

O objetivo deste breve texto é destacar um direito por vezes esquecido de alguns servidores públicos: a redução de jornada, sem redução proporcional da remuneração, do servidor que exerça o papel de cuidador de pessoa com deficiência (dentre elas, o autista, considerado deficiente pela citada lei federal nº 12.764).

No âmbito da União, houve alteração legislativa recente, no final de 2016, com a possibilidade de concessão de horário especial, quando comprovada a necessidade pela junta médica oficial e independentemente de compensação de horário, “ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência” (§3º do art. 98 do estatuto dos servidores civis da União).

Até então, a norma existente beneficiava apenas o próprio servidor “portador de deficiência” (§2º do mesmo artigo); para os dependentes/filhos/cônjuge deficientes do servidor, exigia-se a compensação de horário e que a deficiência fosse física (redação anterior do §3º, mudado em 2016).

Logo, atualmente, caso uma servidora da União seja mãe de um filho com TEA, terá ela direito a um horário especial, sem compensação de horário, desde que comprovada a necessidade de cuidados específicos dirigidos ao filho.

Além dos servidores da União, outros entes federados também têm legislações que amparam, de algum modo, seu funcionário estatutário responsável/cuidador de pessoa com alguma espécie de deficiência. Cada ente, claro, em sua competência legislativa, regula o assunto da forma que entende ser necessária e correta, havendo variação de soluções encontradas pelos legisladores locais.

O Estado de Goiás tem regra própria em seu estatuto. Outros estados da Federação também possuem normas protetivas. Do mesmo modo, o município de Goiânia; este último editou lei (nº 9.988, de dezembro de 2016) prevendo jornada flexibilizada para servidores pais ou responsáveis legais de pessoas com deficiência “para fins de proporcionar a estas pessoas a atenção permanente ou tratamento educacional, fisioterápico ou terapêutico ambulatorial em instituição especializada.”

Logicamente, pois, havendo previsão normativa, não há discussão: observados as regras e procedimentos das normas do ente, o servidor fará jus ao benefício aqui falado. A pergunta que se faz é: e na ausência de lei?

Para os empregados públicos, por exemplo, submetidos ao regime da CLT, como não há previsão normativa específica, prevalece o entendimento de que não fazem jus ao benefício da jornada diminuída/flexibilizada sem redução de remuneração. Isto se dá, em linhas gerais, para todos os contratados sob o regime da CLT, na esfera pública ou privada.

Para os estatutários, todavia, ou seja, para os funcionários públicos não celetistas que seguem o estatuto dos servidores do ente no qual ingressaram, há uma relevante discussão no STF. O tema nº 1097 diz respeito à “Possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência.” Reconhecida a repercussão geral do assunto, resta à Corte apreciar o mérito do recurso.

O leading case é o RE nº 1237867[1]. O caso concreto que desaguou no STF é o de uma servidora do Estado de São Paulo mãe de pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Nas instâncias inferiores, foi entendido que, na ausência de previsão legal, inexistia direito à jornada especial ou à redução da jornada.

Argumenta-se no recurso extraordinário[2] que, à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada no Brasil sob a forma de Decreto (nº 6.979/2009), é possível no caso concreto criar exceções e regras específicas para as situações de cuidado que um servidor tenha para com filho ou dependente.

A futura decisão de mérito do STF poderá ser um marco importante para as pessoas com deficiência e seus familiares.

 

[1]  Descrito como “Recurso extraordinário em que se discute, à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada nos termos do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, a possibilidade de redução da carga horária de servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência quando inexistente previsão legal de tal benefício.”

[2]O processo tramita sob sigilo

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República: coisa do povo. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/republica-coisa-do-povo/ Mon, 15 Nov 2021 19:54:52 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7229 Por Tomaz Aquino

 

A república deriva de um termo em latim que, numa tradução livre, significa a coisa do povo, justamente porque o poder naquele sistema provém, ao contrário de outros sistemas que tem fundamento na hereditariedade ou na divindade, da vontade popular.

Na república, ao menos formalmente, o governo se fundamenta na igualdade das pessoas e, em tese, o exercício de poder, caracterizado por representatividade e temporariedade, é feito com responsabilidade com aqueles que outorgam o bastão aos representantes.

A discussão dos nossos dias, entretanto, diz respeito ao alcance da república e a prefalada crise de representatividade que atinge os mandatários no nosso país.

De fato, mais do que em outros períodos da nossa história, as decisões de governo e de parlamento tem sido duramente criticadas por uma parcela majoritária da população brasileira, sobretudo em razão do descolamento daquelas decisões com os problemas que afligem a população.

Fato é que, com algumas idas e vindas no que trata da inclusão dos brasileiros durante a vigência de nossa república, proclamada em 1889, hoje, pouco se entrega para a maioria da população.

Só no último ano, o Brasil perdeu cinco posições no ranking que mede o índice de desenvolvimento humano, que, em resumo, aponta a média das conquistas de desenvolvimento humano básico de um país.

Não obstante, no ano de 2021, o Congresso Nacional ajudou a dar fim em um dos programas mais importantes de inclusão social do mundo: o Bolsa Família.

Tais constatações realçam a necessidade da rediscussão de nossa república e, mais ainda, de como nossa democracia precisa ser repensada para a concretização do primevo conceito do sistema republicano.

De fato, exercer o poder outorgado com responsabilidade é, antes de tudo, incluir nas decisões o respeito aos anseios da maior parte da população. Para ser ‘’res publica’’ é preciso ser coisa do povo!

 

 

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O passaporte vacinal é constitucional? https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/o-passaporte-vacinal-e-inconstitucional/ Mon, 18 Oct 2021 20:47:26 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7210 Por Frederico Meyer

 

Tem surgido um debate em torno de medidas impostas pelas Administrações Públicas, principalmente municipais, com relação à exigência do que se pode chamar de passaporte vacinal/sanitário.

Em síntese, trata-se da ideia de que a entrada em determinados locais (e a permanência ali) está condicionada à apresentação do comprovante de vacinação contra a COVID-19. A discussão tem ocorrido mundo afora: nos Estados Unidos, na França, no Reino Unido, dentre outros países.

Na França, especificamente, milhares de profissionais de saúde não vacinados foram suspensos de seus trabalhos. Nos EUA, por exemplo, escolas e universidades têm exigido a vacinação completa para o retorno dos docentes e alunos às atividades presenciais. Há relatos de desligamento de professores que se recusaram a seguir a diretriz imposta.

Comumente, tem-se colocado como contraponto ao “passaporte” o direito de ir e vir (livre locomoção) e a própria liberdade individual de não se tolerar que se imponham medicamentos/tratamentos contra a vontade da pessoa. De um lado, pois, o direito coletivo à saúde; de outro, o direito de ir e vir e a inviolabilidade do indivíduo.

De fato, é inegável que não existe forma, pelo menos nos países que se queiram chamar de Estados Democráticos de Direito, de obrigar alguém a tomar a dose de uma vacina ou de um medicamento qualquer. A não ser em países absolutamente ditatoriais, é impensável que o Estado ou até mesmo agentes privados forcem alguém a tomar a vacina, detendo-o na rua ou adentrando sua casa e aplicando-lhe a dose à força.

Todavia, há bastante confusão – e criação deliberada de um embate que por vezes se apresenta falso ou incompleto – sobre o assunto. Não se trata, ao que parece, propriamente da criação de um dever. Se alguém não paga seu imposto de renda, está sujeito a ver seus bens penhorados, ou seu dinheiro sequestrado em conta; se uma pessoa não paga seu aluguel, pode ser despejado do imóvel, e os valores perseguidos judicialmente, também com constrição patrimonial cogente. Estes sim são deveres, cujo descumprimento traz sanção, à qual o inadimplente apenas se sujeita; a não observância do dever é comportamento ilícito.

Parece que o passaporte sanitário estatui um ônus[1], e não um dever/obrigação: para ir a dado museu, o indivíduo tem de estar vacinado. A consequência de não ter tomado a vacina é não poder entrar no museu. Apenas isto. A liberdade em não se vacinar permanece incólume. O livre exercício da opção de não tomar a vacina, portanto, traz como efeito o não atendimento do interesse da pessoa, que era adentrar o museu. O ônus, então, é uma faculdade para a fruição do interesse próprio. Seu descumprimento gera normalmente desvantagem econômica, e não sanção jurídica.

Com relação à liberdade de ir e vir, também parece haver alguma confusão sobre o tema. Não se pode, é claro, sob o prisma da falta de vacinação, impedir alguém de ir visitar um amigo ou parente em sua casa; ou de ir para o sítio/fazenda passar uma temporada. Mas e quanto aos ambientes de uso coletivo? A distinção é evidente.

Afinal, a casa da pessoa e o carro dela são invioláveis; mas o trem, o avião e o prédio da Prefeitura são de uso de todos. Nada melhor do que exemplos para mostrar o erro de um argumento. É possível embarcar em um avião comercial com o canivete “de estimação” no bolso? Não, a pessoa não consegue sequer adentrar a área do embarque. É possível fumar dentro da praça de alimentação de um shopping center? Evidente que não. E fumar no ônibus interestadual ou vôo, no curso da viagem? Tampouco é possível.

Vê-se, pois, que a liberdade de se fazer o que quer cede em espaços coletivos. E traz consequências para a pessoa. É um ônus zelar pela sua bagagem de mão. O descumprimento das regras da aviação civil gera o não embarque do passageiro inobservante. Não há sanção alguma, mas afeta seu interesse em viajar, negando-lhe a partida.

O STF enfrentou, ainda que tangencialmente por ora, o debate sobre o passaporte da vacina. Apenas decidiu que cabe ao Chefe do Executivo municipal editar medidas protetivas em seu território (MC na SL nº 1.482/RJ e MC na STP nº 824/RJ). No mérito, todavia, há fortes indícios que, quando o assunto for decidido pela Corte, a decisão será no sentido de ser viável a obrigatoriedade (por meio da imposição de consequências negativas àquele que opta por não se vacinar). Isto poque o pacificado no tema nº 1103 da repercussão geral consigna ser constitucional a obrigatoriedade de imunização de crianças.[2]

Assim, em sendo a saúde um direito coletivo, é constitucional exigir, para ingresso em determinados locais (de bares e restaurantes ao prédio do Tribunal de Justiça), a demonstração de que a pessoa está vacinada contra a COVID-19. Cada um tem a opção de não tomar medicamentos se assim não quiser; entretanto, não existe a opção de potencialmente contaminar todos os outros que convivam em um ambiente coletivo específico. Inexiste, logicamente, a opção de causar danos a outrem. Por isso é que a proteção da saúde coletiva, justificada pelo passaporte aqui tratado, se sobrepõe às decisões egoístas individualmente tomadas.[3]

 

 

[1] Para melhor compreensão, sugere-se a leitura do texto de Eros Roberto Grau, “Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e Ônus”, disponível na Internet.

[2]  TESE: É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar

[3] A Lei Federal nº 13.979/2020, que “Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”, dá boas balizas sobre o modo de agir do Estado. Há importantes precedentes judiciais sobre este diploma normativo.

 

 

 

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O Poder Público e a LGPD. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/o-poder-publico-e-a-lgpd/ Mon, 30 Aug 2021 16:59:33 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7169 Por Frederico Meyer

 

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei federal nº 13.709/2018), a LGPD, está em vigor desde agosto de 2020. Todos nós sabemos, infelizmente, do hábito de “deixar para a última hora” que a maioria das pessoas adota; e quando se diz aqui “pessoas”, estão incluídas organizações privadas e públicas, porque também elas padecem do famigerado costume.

No sítio eletrônico do LM, há diversos artigos sobre o tema; remeto o leitor a eles, sobretudo ao excelente editorial de 30/07/2021[1] e ao texto de 10/05/2021[2], da sócia Nycolle Soares. Os negacionistas da lei, por assim dizer, apostaram na ideia de que a nova norma (nova de 2018, é bom destacar!) “não pegaria”. Além de ingênua e atrasada a concepção (como bem dito nos textos a que me referi, a legislação apenas vem alcançar mudanças sociais há muito vividas por todos), o fato é que já se tem visto decisões judiciais impondo observância à LGPD e condenando aqueles que a violaram.

As primeiras decisões dizem respeito ao indevido compartilhamento de dados e, claro, à falta de proteção de dados pessoais[3]. A venda de dados pessoais, afinal, é um negócio lucrativo e, até então, sem o menor controle. Com a lei de 2018, este tipo de prática passará a sofrer monitoramento. Não se pode esquecer que o consentimento do titular dos dados é, salvo exceções tratadas na LGPD, a regra a ser observada por todos (art. 7º, I, art. 8º, art. 11, I e II, dentre outros dispositivos).

Ao falar em LGPD, normalmente pensamos em gigantes da tecnologia, como Facebook, Google, Microsoft, Amazon etc.; lembramos de aplicativos como Instagram, Tik Tok, Twitter. Mas nos esquecemos da imobiliária com a qual temos contrato, do restaurante que frequentamos e para o qual adotamos o programa de fidelidade (talvez até com um app próprio). Enfim, a LGPD é para todos, não só os gigantes da big data: “Art. 3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados, desde que:”. Com as exceções do artigo 4º [4] da LGPD, não se pode fugir da lei e de suas consequências.

E como fica o Poder Público? O estado terá de se adaptar? Já possui mecanismos de proteção de dados? Como dito lá no início, também o Estado “entrou na dança” com atraso; a lei é muito clara: o artigo 3º, cujo caput está transcrito acima, diz “pessoa jurídica de direito público ou privado”.

Pensemos num exemplo agora muito evidente com a pandemia: a coleta de dados biométricos já é uma realidade. É possível saber e acompanhar dados pessoais e médicos dos cidadãos em tempo real (frequência cardíaca; temperatura corporal; qualidade do sono; etc.); é possível monitorar seus passos e deslocamentos; é possível rastrear os contatos recentes e averiguar chances de contágio daqueles próximos a um cidadão que apresentou PCR positivo.

Se não houver controle nem regulamentação, poder-se-ia imaginar um cenário distópico, de um estado orwelliano, com controle e manipulação dos dados de todos (os dados biométricos são “dados pessoais sensíveis”, segundo art. 5º, II, da LGPD, que impõem tratamento diferenciado – artigo 11 e seguintes), e quiçá com o auxílio de parceiros privados nessa empreitada.

Ainda que tempos excepcionais justifiquem medidas excepcionais, a verdade é, como diz o ditado, “de boas intenções o inferno está cheio”. Medidas excepcionais tendem a ser tornar naturais e perenes em algumas condições.

Louvável, portanto, incluir o Estado no âmbito de aplicação da LGPD; do contrário, teríamos um ambiente de falta de proteção de dados e fragilidade justamente de entidades que detêm um gigantesco número de informações qualificadas e sensíveis sobre seus cidadãos (basta pensar no histórico médico de alguém). O Poder Público, neste sentido, deve fundamentar e justificar o tratamento de dados para a validade dos atos dele emanados.

Apesar de uma redação um tanto genérica (a lei poderia ser mais assertiva), o art. 23 faz menção expressa à Lei de Acesso à Informação (LAI) e impõe transparência no tratamento dos dados pessoais pelo Poder Público. Há, ainda, a regra de proibição de transferência de dados pessoais de base de dados do Estado a entidades privadas (art. 26, §1º). Claro, alguns desafios trazidos por potencial colisão entre a LAI e a LGPD certamente surgirão em breve. A jurisprudência será essencial na criação de paradigmas relevantes; a doutrina e o estudo de casos do direito comparado (principalmente europeu, já que nossa LGPD se baseia no modelo da União Europeia) também são atores importantes no processo.

O CNJ, com o atraso peculiar inerente ao hábito dito no primeiro parágrafo, editou a Resolução nº 363, de 12/01/2021, a qual “estabelece medidas para o processo de adequação à LGPD a serem adotadas pelos tribunais”. Aliás, ataques assustadores recentes foram feitos ao STJ, ao TJ-RS, ao TRF-1ª Região, além de outros Tribunais do país. Isto mostra que ninguém está a salvo. E que há potenciais fragilidades a serem combatidas, e o quanto antes.

E, ironicamente, aqueles que ditarão a aplicação da LGPD em todo o país e imporão sanções aos violadores também parecem estar a violar a norma nacional. A obtenção e/ou o vazamento de dados pode ocorrer, como se vê, em qualquer âmbito do Poder Público, seja o Judiciário, seja o Executivo ou mesmo um órgão autônomo como o TCE/TCU.

Não há mais tempo: a adaptação deve ser imediata e séria. O Estado, enfim, detém dados demasiadamente relevantes para serem tratados como antes, sem as cautelas impostas pelo novo ambiente tecnológico e informacional em que vivemos.

 

[1] https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/lgpd-uma-nova-realidade/

[2] https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/lgpd-a-lei-que-ja-pegou/

[3] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2021/julho/lgpd-justica-determina-que-serasa-deixe-de-comercializar-dados-pessoais

 

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

I – realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;

II – realizado para fins exclusivamente:

  1. a) jornalístico e artísticos; ou
  2. b) acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei;

III – realizado para fins exclusivos de:

  1. a) segurança pública;
  2. b) defesa nacional;
  3. c) segurança do Estado; ou
  4. d) atividades de investigação e repressão de infrações penais; ou

IV – provenientes de fora do território nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei.

(…)

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FCO, FNO e FNE. A renegociação dos débitos com os Fundos Constitucionais Regionais. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/fco-fno-e-fne-a-renegociacao-dos-debitos-dos-fundos-constitucionais-regionais/ Mon, 23 Aug 2021 16:01:46 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7166 Por Tomaz Aquino

 

Os Fundos Constitucionais regionais, advindos da norma expressa no art. 159, I, “c” da Constituição da República, são importantes instrumentos para a concretização do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

É através deles, mas não só, que a norma base brasileira pretendeu, e pretende, superar as desigualdades regionais decorrentes das peculiaridades da emancipação do Brasil.

A regulamentação da citada política pública desenvolvimentista data do ano de 1989, com a edição e publicação da Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, que previu, entre outras coisas, a construção de planos regionais de desenvolvimento e a concessão, através de bancos oficiais, de empréstimos subsidiados aptos a atrair investimentos externos e fortalecer atividades de desenvolvimento já existentes nas regiões.

A virtuosa política pública, entretanto, não ficou imune aos impactos da pandemia do coronavírus em nosso país e às mudanças do perfil dos créditos concedidos que, por várias razões, ficaram mais baratos e acabaram prejudicando aqueles detentores de contratos antigos.

Essas foram, aliás, a razão da edição da Medida Provisória 1.016 de 2020, posteriormente convertida na Lei 14.166/2021.

Com as mudanças na lei dos fundos, que atendem prioritariamente os pequenos devedores – cerca de 87% das dívidas passíveis de enquadramento são de até R$ 20 mil e quase 98% são dívidas de até R$ 100 mil – poderá haver, no caso de contratações originais com mais de 7 (sete) anos, a substituição de encargos contratados na operação original pelos encargos correntemente utilizados, a concessão de prazos e forma de pagamentos especiais, incluídos o diferimento, a moratória e a concessão de descontos.

Em contrapartida, e para garantir a saúde financeira dos fundos, deverão ser mantidas as garantias já contratadas.

Ademais, não será permitida a renegociação com mutuários que tenham, comprovadamente, cometido inaplicação, desvio de finalidade ou fraude em operações de crédito contratadas com recursos dos fundos de que trata esse ensaio.

 

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Licitação e Compliance: do incentivo à obrigatoriedade. https://laramartinsadvogados.com.br/sem-categoria/licitacao-e-compliance-do-incentivo-a-obrigatoriedade/ Mon, 07 Jun 2021 19:00:06 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=4033 Por Tomaz Aquino

 

A nova lei de licitações, em outro passo em direção à consolidação do esforço de moralização nas relações no âmbito administrativo, passou a exigir das empresas que pretendem contratar com o Poder Público a implementação de programa de integridade e conformidade.

Com efeito, o art. 25, §4º exige que Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.

 Embora não se trate de iniciativa pioneira, levando em conta que vários entes políticos, principalmente em decorrência da Lei Anticorrupção, já condicionam os atos negociais com o Poder Público à apresentação de Programa de Compliance – desde junho de 2019 o estado de Goiás é um dos entes da Federação que exige programa de integridade daqueles que celebram ajustes com o Estado[1] – certo é que a nova norma, inserida na Lei 14.133/21, de caráter nacional, ao tempo em que uniformiza o sistema e sepulta uma incipiente mas importante discussão quanto à constitucionalidade de exigências como essa através de lei estadual[2], deixa claro que o processo para dar transparência aos usos de recursos públicos, ainda que de forma indireta, é um caminho sem volta.

Mantendo a proporcionalidade, tanto as normas anteriores, quanto a nova lei de licitações e contratos, reservaram a obrigatoriedade do programa de integridade àquelas contratações mais vultosas.

A medida, além de otimizar o trabalho de acompanhamento, direcionando a fiscalização aos ajustes de maior impacto no orçamento público, preserva, ao menos por enquanto, os pequenos contratados dos gastos de implantação de um programa de integridade.

Também quanto aos pequenos, é preciso ressaltar que, embora não exista obrigatoriedade na implantação dos programas de compliance, a análise das mudanças normativas, tanto na nova Lei de Licitações e Contratos – a nova norma prevê, por exemplo, como critério de desempate no julgamento das propostas, desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle” –  quanto na legislação preexistente sobre a matéria, mostra que aqueles que não se moverem em direção à transparência, serão rapidamente alijados do relevante mercado de contratação com o setor público.

 

[1] Lei Estadual 20.489/19.

Art. 1º Determina a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado de Goiás, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.

[2] Existe importante discussão quanto à constitucionalidade de norma estadual que condicione ajustes com a Administração Pública à apresentação de programa de integridade, justamente porque tal norma estaria inserida no conceito de norma geral, cuja competência legislativa é privativa da União.

 

* Por ser Procurador do Estado, o autor encontra-se impedido de exercer a advocacia contra a Fazenda Pública do Estado de Goiás. 

 

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Teto constitucional, acumulação de cargos e polêmicas: quais são as hipóteses de abate-teto (o “corte” no teto)? https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/teto-constitucional-acumulacao-de-cargos-e-polemicas-quais-sao-as-hipoteses-de-abate-teto-o-corte-no-teto/ Mon, 17 May 2021 22:36:13 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=3965 Por Frederico Meyer.

 

Recentemente, por meio da edição de Portaria editada por órgão do Ministério da Economia (ato normativo da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do citado Ministério), passou-se a admitir a soma dos valores remuneratórios recebidos a título de proventos de aposentadoria (para servidores civis e para os militares inativos/reformados) com os valores recebidos por exercício de cargo em comissão ou de cargo eletivo (ou de cargo efetivo ou emprego público).

Tal normativo se tornou uma polêmica, amplamente noticiada pela imprensa. Na prática, por beneficiar integrantes da cúpula do governo federal, além do próprio Presidente da República (há diversos militares reformados ocupando cargos em comissão e eletivos na esfera federal), a mudança nos pagamentos foi veiculada por jornalistas e articulistas como uma forma de burla ao teto constitucional, um “jeitinho” para ganhar mais e, consequentemente, beneficiar certas pessoas.

Claro, sabe-se que o país passa há anos por aguda crise econômica e fiscal, piorada em 2020 com a eclosão da pandemia da COVID-19; qualquer criação de ato ou prolação de decisão que promova majoração remuneratória sofrerá naturais críticas em um momento de gigantesca contingência. E mais, em um horizonte curto não há expectativa de melhora; o controle da disseminação do coronavírus e a recuperação efetiva da economia só são, afinal, esperados para meados de 2022.

Entretanto, ruídos e polêmicas à parte, ainda que criticável a medida em razão do momento econômico pelo qual passa o país (o “timing” do ato e suas consequências políticas), há de se perguntar: é inconstitucional o recebimento além-teto nos moldes do previsto no normativo federal? Existe, neste sentido, mácula de injuridicidade nos dispositivos que permitem a soma dos valores acima referidos?

A resposta é negativa. Como será abordado em breve linhas adiante, o texto constitucional – balizado por recente decisão do STF – permite o pagamento de remunerações por cargos/vínculos distintos de modo a extrapolar o teto, caso somadas.

A prática no âmbito da Administração Pública brasileira era a de cortar no teto toda remuneração que extrapolasse tal quantia, ainda que o servidor tivesse dois vínculos distintos de cargos constitucionalmente acumuláveis. Muitos médicos, por exemplo, até hoje devem sofrer decote de sua remuneração naquilo que excede o teto, não obstante exerçam cargos distintos e acumuláveis licitamente (por exemplo, professor em uma Universidade pública e médico concursado). O entendimento era no sentido de ser o teto um limite constitucional absoluto, que não pode ser ultrapassado licitamente.

O STF, ao julgar dois recursos extraordinários oriundos do Mato Grosso (RE 602.043 e RE 612.975), no ano de 2017, consolidou a tese dos temas nº 377 e 384 da repercussão geral:

Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.

Sob a ótica da isonomia (pessoas que exercem o mesmo labor e recebem valores distintos) e da proteção social do trabalho, além da vedação ao trabalho gratuito (caso um cargo público já esteja no teto, o outro será exercido gratuitamente pelo ocupante) prestado à Administração, o somatório das remunerações passou a ser admitido. De fato, se a acumulação de cargos é lícita e constitucionalmente prevista, impedir o recebimento dos valores pagos pelo seu exercício parece violar o caráter contraprestacional inerente à remuneração. Se as atribuições do cargo são exercidas e há compatibilidade de horários e cumulação regular, como impor o abate-teto ao ocupante dos postos?

A Portaria mencionada em linhas pretéritas vai além: ela impõe a consideração do limite constitucional (teto previsto no inciso XI do art. 37) isoladamente para cada vínculo em caso de aposentado civil ou militar inativo ocupante de cargo em comissão ou cargo eletivo – a causa da controvérsia debatida nos meios de comunicação.

Realmente, o STF não decidiu especificamente sobre este tema na tese consolidada supratranscrita. O permissivo, todavia, decorre diretamente do texto constitucional[1]: é possível, a contrário senso, receber concomitantemente proventos de aposentadoria com remuneração de cargo efetivo (se acumuláveis na atividade) e de cargos eletivos e em comissão. Corroborando o já previsto textualmente, o TCU tem recente acórdão[2], que vem sendo replicado e observado pela Administração, permitindo a consideração isolada de cada cargo para fins do teto.

É exatamente isto que passou a ser previsto, no seio da Administração Federal, pela Portaria tão debatida nos noticiários de TV e nos jornais. A polêmica, por assim dizer, não versa sobre a juridicidade dos pagamentos, porque previstos e autorizados na Constituição – e corroborados pelo TCU e em julgados esparsos do STF (não em sede se repercussão geral) –, mas sim sobre o impacto financeiro da medida e o momento de caos econômico do país.

Interessante ressaltar apenas, por fim, que a exceção trazida pela Portaria (e pela Constituição, não é demais lembrar) não se aplica às pensões[3]: o art. 5º da Portaria expressamente diz que “(…) o limite remuneratório incidirá sobre a soma da pensão com os rendimentos dos demais vínculos.” Afinal, o §10 do art. 37 só se refere a “proventos de aposentadoria”, optando, ao que parece, por um silêncio eloquente (portanto, deliberado) quanto às pensões. E, claro, tampouco se aplica aos servidores em atividade, civis e militares, ocupantes de cargo em comissão (art. 3º da Portaria).

 

[1]    Art. 37 (…)

 

[2]    CONSULTA  FORMULADA  PELO  PRESIDENTE  DO  TRIBUNAL  SUPERIOR  DO  TRABALHO  ACERCA DA  APLICAÇÃO  DO  TETO  REMUNERATÓRIO  EM  CASOS  ESPECÍFICOS  DE  ACUMULAÇÃO  DE PROVENTOS  E  REMUNERAÇÕES.  CONHECIMENTO.  RESPOSTA  AO  CONSULENTE.  –  No caso de percepção simultânea de proventos do Regime  Próprio  de  Previdência  dos Servidores  Públicos  Federais e do Regime Geral de Previdência  Social,  o  teto  constitucional previsto  no  art.  37,  inciso  XI,  da  Constituição  Federal  deve  incidir  sobre  cada  um  dos proventos  isoladamente;  –  Na  hipótese  de  acumulação  de  proventos  de  aposentadoria  com a  remuneração  decorrente  do  exercício  de  cargo  em  comissão,  considera-se,  para  fins  de incidência  do  teto  constitucional  previsto  no  art.  37,  inciso  XI,  da  Constituição  Federal,  cada rendimento  isoladamente;  –  Precedentes  do  STF  e  do  TCU  sobre  o  assunto.60. (TCU,  Plenário,  Processo  027.477/2018-5 ,  Acórdão  1092/2019-Plenário,  Rel.  Min.  Raimundo Carreiro,  data  da  sessão  15  de  maio  de  2019)

(destaques acrescentados)

 

[3]    Tese definida no tema nº 359 da repercussão geral do STF: “Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional nº 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.”

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Decretos de isolamento e Justiça. https://laramartinsadvogados.com.br/direito-publico/decretos-de-isolamento-e-justica/ Mon, 15 Mar 2021 19:47:24 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=3563 Por Tomaz Aquino.

 

Os novos textos normativos editados pelos municípios da região metropolitana de Goiânia, com o intuito de tentar impedir ou diminuir a contaminação pelo coronavírus e, por consequência, o ingresso de pessoas nos sistemas de saúde especializados para o tratamento de COVID, não foram recebidos com tanta tranquilidade por cidadãs e cidadãos da metrópole.

De pronto, e como tem acontecido há mais de um ano, vozes, muitas vezes com alguma razão, se levantaram contra as referidas normas.

Argumentos de quem se preocupa com a possível ruína da economia, ou mesmo tratando de questões mais pontuais, como sobre a inadequação de suspensão de atividades com baixíssimo potencial de contaminação, pulularam nas redes sociais e no seio de agrupamentos de todos os tipos. Associações, condomínios, clubes esportivos, descontentes com as restrições, debateram sobre o assunto e, em alguns casos, decidiram pelo descumprimento das normas.

Apesar da relevância dos pontos de discussão levantados e da óbvia necessidade de medidas de restrição, o fato é que as normas existem e, juridicamente, em razão da presunção de legitimidade dos atos administrativos, obrigam os particulares que residem nas cidades cujos governos decidiram pelo isolamento como forma de aplacar o já desordenado avanço da doença, sob pena de aplicações de variadas e pesadas sanções.

De outro lado, e não se trata aqui de questionar a corretude das decisões governamentais para salvaguardar a saúde coletiva, é certo que atos como os tratados são confeccionados, como não poderia deixar de ser, com o intuito de abranger a maior quantidade possível de situações existentes.

Esse esforço de abrangência pode, entretanto, e não é raro que isso aconteça, acabar criando normas inadequadas para alguns dos casos que pretende regulamentar, causando mais danos que os benefícios que se pretendeu alcançar com a edição da norma.

É nesses casos, portanto, que a intervenção do Poder Judiciário ganha vez, de modo a criar, com base no ato abstrato e genérico e nos motivos que culminaram com sua edição, uma norma específica e adequada para o caso concreto.

Vale ressaltar, no entanto, que toda e qualquer decisão para corrigir distorções deve levar em conta possíveis consequências que inviabilizem o objetivo da norma, sob pena de ‘’jogar por terra’’ os esforços para a contenção da doença.

 

 

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Considerações gerais sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge/companheiro(a): quem faz jus a medida? https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/consideracoes-gerais-sobre-a-remocao-para-acompanhamento-de-conjuge-companheiroa-quem-faz-jus-a-medida/ Mon, 22 Feb 2021 15:49:19 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=2806 Por Frederico Meyer.

 

Questão bastante recorrente para casais (inclusive homoafetivos) em que ambos são servidores públicos (ou um já possui vínculo público e o outro almeja o ingresso no funcionalismo estatal) diz respeito à lotação e eventuais remoções e como tais aspectos atingem a família.

Pergunta-se frequentemente: a remoção de uma pessoa do casal para localidade diversa gera a “quebra” da unidade familiar (na hipótese de serem ambos servidores)? Outra indagação bastante comum diz respeito à posse após aprovação em concurso público de provas e títulos: o(a) empossado(a) em nova localidade “leva” consigo o(a) cônjuge/companheiro(a) que já é servidor(a)?

O ordenamento jurídico e a jurisprudência tratam de maneira distinta as situações acima mencionadas, motivo pelo qual debruça-se brevemente sobre o tema.

Para fins de análise e exemplificação, tratemos do servidor público federal, ocupante de cargo ou emprego público na administração direta ou indireta da União, em quaisquer dos Poderes. De modo geral, as legislações estaduais preveem normas bastante semelhantes, quando não idênticas àquelas insculpidas no estatuto dos servidores públicos civis da União, lei federal nº 8.112/1990.

A própria lei define a remoção no artigo 36: “Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.” Obviamente, aqui está uma situação de mudança de sede, uma vez que a ausência deste fato em nada muda a situação familiar. No mesmo artigo são definidas as modalidades de remoção, prevendo-se dentre elas a remoção a pedido para outra localidade em caso de acompanhamento do cônjuge removido do ofício, isto é, no interesse da Administração.

O STJ, órgão julgador que uniformiza a interpretação da legislação federal, tem farta jurisprudência sobre o assunto. De modo geral, desde que observadas as exigências da lei do servidor, a Corte entende que é um verdadeiro direito subjetivo da pessoa acompanhar o cônjuge, independentemente da existência de vagas. A proteção à família é a diretriz que impulsiona tal direito que, aliás, é tão evidente que dispensa a existência de vagas, ou seja, de claros de lotação na localidade em que o servidor exercerá seu labor. Portanto, a recusa da Administração em remover aquele que quer acompanhar o cônjuge (já removido do ofício) sob o prisma da falta de vagas ou mesmo de estrutura de trabalho é medida ilícita. Dito de outro modo, o Poder Público tem que se adequar para a vinda do servidor removido em tal situação.

Alguns tribunais, ao enfrentarem a matéria, exigiam a coabitação dos cônjuges/companheiros para a viabilidade da remoção aqui examinada. O STJ, também neste ponto específico, pacificou a matéria (MS nº 22.283/DF) estatuindo ser irrelevante, por não haver previsão legal, este suposto requisito.

É interessante notar que o conceito de “servidor público” é visto da maneira mais ampla possível, tanto pelo STJ quanto pelo STF; neste sentido, quer seja o cônjuge/companheiro removido no interesse da Administração regido pela CLT quer seja estatutário, tanto na administração direta quanto na indireta, surgirá para o servidor o direito à remoção para o respectivo acompanhamento. Logo, em situações concretas, a remoção de ofício de empregado dos Correios e da Caixa Econômica Federal levou à remoção para acompanhamento do cônjuge servidor estatutário federal.

É essencial dizer que o direito subjetivo para o cônjuge/companheiro surge apenas quando há a remoção do(a) outro(a) de ofício, no interesse da Administração. Caso a remoção seja voluntária, entende-se que a ruptura da unidade familiar fora querida, fato que não dá azo ao acompanhamento forçado do outro membro do casal.

E, exatamente por isso, respondendo a segunda indagação feita acima, é que se nega o direito de acompanhamento do novo servidor, aquele empossado em razão de aprovação em concurso público e lotado em local diverso de onde residia. Como a posse em cargo público é ato voluntário, ainda que ocasionada a ruptura da unidade familiar, entende-se que não há direito subjetivo de remoção para acompanhar o empossado. Resta a este servidor – o cônjuge que já era servidor estatutário –, tão somente, a licença não remunerada prevista no art. 84 do estatuto federal.

Por fim, em decisão de novembro de 2017 (EResp 1.247.360/RJ, de 27/11/17), o STJ modificou seu entendimento para negar o acompanhamento em caso de cônjuge aprovado(a) em concurso/processo seletivo de remoção. Até aquele momento, a Corte tratava esta hipótese como se fosse uma remoção de ofício do servidor aprovado no concurso interno, forçando a remoção de seu marido/sua esposa. A partir da citada decisão, o tratamento jurisprudencial desta situação passou a se dar sob a ótica da voluntariedade daquele que quis participar do concurso/seleção interna; se o quis, optou pela potencial ruptura da unidade familiar, não ensejando a remoção cogente do servidor com ele/ela casado(a).

Então, os “concurseiros” que já estejam casados devem se preparar para um relacionamento à distância quando tomarem posse e forem lotados em local diverso daquele em que residem com o seu par; isto serve também para os servidores casados que busquem aprovação em “concursos internos” e que ensejem mudança de localidade, caso aprovados.

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OUTUBRO ROSA. Limitações físicas e psíquicas e a readaptação de servidores em cargos públicos. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/outubro-rosa-limitacoes-fisicas-e-psiquicas-e-a-readaptacao-de-servidores-em-cargos-publicos/ Mon, 19 Oct 2020 14:32:49 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=2477 NÚCLEO DIREITO PÚBLICO.

 

A campanha mundial “Outubro Rosa” tem a intenção de alertar a sociedade sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama, bem como disseminar ações preventivas e de luta por direitos, como o atendimento médico e o suporte emocional, de modo a garantir tratamento de qualidade a quem dele precisa.

Há doenças – e o câncer de mama é uma delas – que podem causar repercussões negativas na vida do indivíduo, tais como limitações físicas e psíquicas. Quando quem delas sofre é servidor público, há a incidência de um regime especial: se o agente público, por motivo de doença, tem restrições em sua capacidade física ou psíquica, permitida é, em princípio, a readaptação de função. O instituto em causa costuma figurar nos estatutos dos servidores públicos dos mais diversos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), tendo como objetivo a reabilitação funcional digna e eficaz do agente.

Eventual resistência ou discrepância na disciplina legal que porventura pudesse haver em tal temática restou superada com a edição da Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, que promoveu a chamada Reforma da Previdência.

Segundo o art. 37, § 13, da Constituição Federal, o servidor público titular de cargo efetivo poderá ser readaptado para exercício de cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto permanecer nesta condição, desde que possua a habilitação e o nível de escolaridade exigida para o cargo de destino, mantida a remuneração do cargo de origem.

Ou seja, há aqui importante garantia conferida ao agente público que, sofrendo agravo de saúde, tem a sua capacidade funcional e de trabalho prejudicadas. Em nome da tutela da dignidade – sendo o exercício do labor concreta manifestação disso – ao servidor é conferido o direito de desempenhar atribuições compatíveis com as limitações de que padece.

A Emenda Constitucional nº 103/2019 também passou a prever expressamente que a aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho somente terá lugar quando não houver possibilidade de readaptação do agente público (art. 40, § 1º, I, CF). Com isso, a Constituição contemplou entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que há muito já assentava compreensão no sentido de que a aposentadoria só deve ocorrer se o servidor não for capaz de desenvolver qualquer outra atividade compatível com o cargo anteriormente ocupado.

Por fim, doença nem sempre é sinônimo de incapacidade. Eventuais limitações físicas ou psíquicas devem conduzir, primeiramente, à readaptação do agente público, para que passe a exercer atribuições funcionais compatíveis com as suas restrições. Simbolicamente, trata-se de um ato de superação e de constante luta – assim como o é a batalha contra o câncer de mama, cujo comportamento de resistência e superação deve ser sempre incentivado e prestigiado pelo Poder Público.

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