Arquivos Poder Público - Lara Martins Advogados https://laramartinsadvogados.com.br/tag/poder-publico/ Escritório de advocacia especializados em demandas de alta e média complexidade. Mon, 11 Jul 2022 20:14:56 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 https://laramartinsadvogados.com.br/wp-content/uploads/2023/07/cropped-LM-favico2--32x32.png Arquivos Poder Público - Lara Martins Advogados https://laramartinsadvogados.com.br/tag/poder-publico/ 32 32 Segredo e poder: análise dos 10 anos da Lei de Acesso à Informação https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/segredo-e-poder-analise-dos-10-anos-da-lei-de-acesso-a-informacao/ Mon, 11 Jul 2022 20:14:56 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7480 Por Frederico Meyer

 

É importante iniciar o texto com uma afirmação óbvia: quando se fala de Estado, o sigilo é exceção. Os atos do Poder Público são, em sua ampla maioria, públicos. Isto, aliás, é imperativo do regime democrático.

Secretismo, afinal, só se coaduna com regimes ditatoriais, os quais não prestam, por sua natureza, contas à população.

No Brasil, o ordenamento jurídico consagra a publicidade dos atos públicos (está expressamente elencada no caput do artigo 37 da Constituição da República) como um princípio primordial do regime jurídico administrativo. A publicidade dos atos, então, está correlacionada à sua própria legitimidade. O controle exercido pela população, com o auxílio da imprensa (a liberdade de imprensa também é pilar de um regime que pretenda ser democrático), confere ao ato de poder mais robusta legitimidade.

É o cidadão, enfim, que acaba por ser o destinatário (ainda que indireto) dos atos do Estado; daí a Constituição prever no artigo 5º, inciso XXXIII, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

A Lei de Acesso à Informação (LAI) brasileira apenas foi promulgada em 2011 (lei nº 12.527), conferindo efetividade à norma acima transcrita. Apesar de ser bem nova a nossa lei, a transparência dos atos do Poder Público é um fenômeno relativamente recente: a maior parte das leis semelhantes de países desenvolvidos data do pós-guerra (EUA em 1966; Dinamarca em 1970, dentre outros), com diversos países elaborando suas normas já no século XXI. A notável exceção é a Suécia, que tem a mais antiga lei de transparência, datada de 1776 (!).

Na lei brasileira, as diretrizes previstas no artigo 3º trazem o que foi dito no início deste texto (“observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”), além de relevantes preceitos como “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações” e “fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública”, além, é claro, de “desenvolvimento do controle social da administração pública”.

Percebe-se, logo, a relação intrínseca entre transparência/publicidade e controle social, corroborando o que já foi dito em linhas pretéritas.

No plano prático, portanto, o conhecimento público de contratações feitas pela Administração, por exemplo, é essencial e inafastável: deve o cidadão saber se um dado órgão do Estado (qualquer que seja o ente federativo ou suas entidades, destaque-se) comprou vinhos e espumantes; se adquiriu carros de luxo para compor sua frota; se contratou serviços médicos meramente estéticos; se os servidores do mencionado órgão viajam em voos comerciais e em que classe o fazem.

Os exemplos dados estão todos relacionados à contratação, mas a publicidade, como visto, gira em torno de quaisquer atos administrativos. A agenda de uma autoridade política, nesse sentido, deve ser pública; o espírito é o mesmo: encontros secretos de uma autoridade não se coadunam com o regime democrático.

Infelizmente, têm-se visto abusos com relação ao caráter sigiloso imposto aos dados de atos praticados pela Administração e seus agentes. Com frequência, a imprensa divulga que determinada questão teve sigilo decretado pelo Estado, às vezes de cem anos. Isto mesmo, um século de sigilo.

Como as normas contêm preceitos de indeterminação semântica, o Estado abusa de expressões como “soberania nacional”, “segurança das instituições ou de autoridades” ou, claro, diz que os dados se referem à “intimidade e vida privada” de pessoas (recomendo a leitura neste site dos diversos textos relativos à LGPD escritos ao longo do tempo por advogados do LM).

Em algumas situações, parece que há um propósito de evitar o escrutínio dos cidadãos (e da imprensa) e até mesmo de órgãos de controle estatais. Segundo já afirmado, afinal de contas, é próprio da democracia que a agenda de um ministro de Estado seja pública.

Da mesma maneira, gastos em cartões corporativos, sempre escondidos sob o manto do sigilo, merecem devassa. A pergunta que se faz é singela: tem o cidadão o direito de saber se pagou (porque é ele quem custeia o Estado, nunca é demais lembrar) coisas supérfluas para os usuários de cartão corporativo? A resposta tem de ser, invariavelmente, positiva.

Concluindo, repete-se a constatação óbvia feita no início: o sigilo é excepcional, sempre. A coisa pública (res publica) tem de estar sempre de portas e janelas abertas para os cidadãos. O retrocesso quanto à transparência dos atos de poder nos distancia do modelo democrático e republicano que tanto almejamos e que escolhemos em 1988 com a Constituição.

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O Poder Público e a LGPD. https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/o-poder-publico-e-a-lgpd/ Mon, 30 Aug 2021 16:59:33 +0000 https://laramartinsadvogados.com.br/?p=7169 Por Frederico Meyer

 

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei federal nº 13.709/2018), a LGPD, está em vigor desde agosto de 2020. Todos nós sabemos, infelizmente, do hábito de “deixar para a última hora” que a maioria das pessoas adota; e quando se diz aqui “pessoas”, estão incluídas organizações privadas e públicas, porque também elas padecem do famigerado costume.

No sítio eletrônico do LM, há diversos artigos sobre o tema; remeto o leitor a eles, sobretudo ao excelente editorial de 30/07/2021[1] e ao texto de 10/05/2021[2], da sócia Nycolle Soares. Os negacionistas da lei, por assim dizer, apostaram na ideia de que a nova norma (nova de 2018, é bom destacar!) “não pegaria”. Além de ingênua e atrasada a concepção (como bem dito nos textos a que me referi, a legislação apenas vem alcançar mudanças sociais há muito vividas por todos), o fato é que já se tem visto decisões judiciais impondo observância à LGPD e condenando aqueles que a violaram.

As primeiras decisões dizem respeito ao indevido compartilhamento de dados e, claro, à falta de proteção de dados pessoais[3]. A venda de dados pessoais, afinal, é um negócio lucrativo e, até então, sem o menor controle. Com a lei de 2018, este tipo de prática passará a sofrer monitoramento. Não se pode esquecer que o consentimento do titular dos dados é, salvo exceções tratadas na LGPD, a regra a ser observada por todos (art. 7º, I, art. 8º, art. 11, I e II, dentre outros dispositivos).

Ao falar em LGPD, normalmente pensamos em gigantes da tecnologia, como Facebook, Google, Microsoft, Amazon etc.; lembramos de aplicativos como Instagram, Tik Tok, Twitter. Mas nos esquecemos da imobiliária com a qual temos contrato, do restaurante que frequentamos e para o qual adotamos o programa de fidelidade (talvez até com um app próprio). Enfim, a LGPD é para todos, não só os gigantes da big data: “Art. 3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados, desde que:”. Com as exceções do artigo 4º [4] da LGPD, não se pode fugir da lei e de suas consequências.

E como fica o Poder Público? O estado terá de se adaptar? Já possui mecanismos de proteção de dados? Como dito lá no início, também o Estado “entrou na dança” com atraso; a lei é muito clara: o artigo 3º, cujo caput está transcrito acima, diz “pessoa jurídica de direito público ou privado”.

Pensemos num exemplo agora muito evidente com a pandemia: a coleta de dados biométricos já é uma realidade. É possível saber e acompanhar dados pessoais e médicos dos cidadãos em tempo real (frequência cardíaca; temperatura corporal; qualidade do sono; etc.); é possível monitorar seus passos e deslocamentos; é possível rastrear os contatos recentes e averiguar chances de contágio daqueles próximos a um cidadão que apresentou PCR positivo.

Se não houver controle nem regulamentação, poder-se-ia imaginar um cenário distópico, de um estado orwelliano, com controle e manipulação dos dados de todos (os dados biométricos são “dados pessoais sensíveis”, segundo art. 5º, II, da LGPD, que impõem tratamento diferenciado – artigo 11 e seguintes), e quiçá com o auxílio de parceiros privados nessa empreitada.

Ainda que tempos excepcionais justifiquem medidas excepcionais, a verdade é, como diz o ditado, “de boas intenções o inferno está cheio”. Medidas excepcionais tendem a ser tornar naturais e perenes em algumas condições.

Louvável, portanto, incluir o Estado no âmbito de aplicação da LGPD; do contrário, teríamos um ambiente de falta de proteção de dados e fragilidade justamente de entidades que detêm um gigantesco número de informações qualificadas e sensíveis sobre seus cidadãos (basta pensar no histórico médico de alguém). O Poder Público, neste sentido, deve fundamentar e justificar o tratamento de dados para a validade dos atos dele emanados.

Apesar de uma redação um tanto genérica (a lei poderia ser mais assertiva), o art. 23 faz menção expressa à Lei de Acesso à Informação (LAI) e impõe transparência no tratamento dos dados pessoais pelo Poder Público. Há, ainda, a regra de proibição de transferência de dados pessoais de base de dados do Estado a entidades privadas (art. 26, §1º). Claro, alguns desafios trazidos por potencial colisão entre a LAI e a LGPD certamente surgirão em breve. A jurisprudência será essencial na criação de paradigmas relevantes; a doutrina e o estudo de casos do direito comparado (principalmente europeu, já que nossa LGPD se baseia no modelo da União Europeia) também são atores importantes no processo.

O CNJ, com o atraso peculiar inerente ao hábito dito no primeiro parágrafo, editou a Resolução nº 363, de 12/01/2021, a qual “estabelece medidas para o processo de adequação à LGPD a serem adotadas pelos tribunais”. Aliás, ataques assustadores recentes foram feitos ao STJ, ao TJ-RS, ao TRF-1ª Região, além de outros Tribunais do país. Isto mostra que ninguém está a salvo. E que há potenciais fragilidades a serem combatidas, e o quanto antes.

E, ironicamente, aqueles que ditarão a aplicação da LGPD em todo o país e imporão sanções aos violadores também parecem estar a violar a norma nacional. A obtenção e/ou o vazamento de dados pode ocorrer, como se vê, em qualquer âmbito do Poder Público, seja o Judiciário, seja o Executivo ou mesmo um órgão autônomo como o TCE/TCU.

Não há mais tempo: a adaptação deve ser imediata e séria. O Estado, enfim, detém dados demasiadamente relevantes para serem tratados como antes, sem as cautelas impostas pelo novo ambiente tecnológico e informacional em que vivemos.

 

[1] https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/lgpd-uma-nova-realidade/

[2] https://laramartinsadvogados.com.br/artigos/lgpd-a-lei-que-ja-pegou/

[3] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2021/julho/lgpd-justica-determina-que-serasa-deixe-de-comercializar-dados-pessoais

 

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

I – realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;

II – realizado para fins exclusivamente:

  1. a) jornalístico e artísticos; ou
  2. b) acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei;

III – realizado para fins exclusivos de:

  1. a) segurança pública;
  2. b) defesa nacional;
  3. c) segurança do Estado; ou
  4. d) atividades de investigação e repressão de infrações penais; ou

IV – provenientes de fora do território nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei.

(…)

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Licitação e Compliance: do incentivo à obrigatoriedade. https://laramartinsadvogados.com.br/sem-categoria/licitacao-e-compliance-do-incentivo-a-obrigatoriedade/ Mon, 07 Jun 2021 19:00:06 +0000 https://www.laramartinsadvogados.com.br/?p=4033 Por Tomaz Aquino

 

A nova lei de licitações, em outro passo em direção à consolidação do esforço de moralização nas relações no âmbito administrativo, passou a exigir das empresas que pretendem contratar com o Poder Público a implementação de programa de integridade e conformidade.

Com efeito, o art. 25, §4º exige que Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.

 Embora não se trate de iniciativa pioneira, levando em conta que vários entes políticos, principalmente em decorrência da Lei Anticorrupção, já condicionam os atos negociais com o Poder Público à apresentação de Programa de Compliance – desde junho de 2019 o estado de Goiás é um dos entes da Federação que exige programa de integridade daqueles que celebram ajustes com o Estado[1] – certo é que a nova norma, inserida na Lei 14.133/21, de caráter nacional, ao tempo em que uniformiza o sistema e sepulta uma incipiente mas importante discussão quanto à constitucionalidade de exigências como essa através de lei estadual[2], deixa claro que o processo para dar transparência aos usos de recursos públicos, ainda que de forma indireta, é um caminho sem volta.

Mantendo a proporcionalidade, tanto as normas anteriores, quanto a nova lei de licitações e contratos, reservaram a obrigatoriedade do programa de integridade àquelas contratações mais vultosas.

A medida, além de otimizar o trabalho de acompanhamento, direcionando a fiscalização aos ajustes de maior impacto no orçamento público, preserva, ao menos por enquanto, os pequenos contratados dos gastos de implantação de um programa de integridade.

Também quanto aos pequenos, é preciso ressaltar que, embora não exista obrigatoriedade na implantação dos programas de compliance, a análise das mudanças normativas, tanto na nova Lei de Licitações e Contratos – a nova norma prevê, por exemplo, como critério de desempate no julgamento das propostas, desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle” –  quanto na legislação preexistente sobre a matéria, mostra que aqueles que não se moverem em direção à transparência, serão rapidamente alijados do relevante mercado de contratação com o setor público.

 

[1] Lei Estadual 20.489/19.

Art. 1º Determina a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado de Goiás, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.

[2] Existe importante discussão quanto à constitucionalidade de norma estadual que condicione ajustes com a Administração Pública à apresentação de programa de integridade, justamente porque tal norma estaria inserida no conceito de norma geral, cuja competência legislativa é privativa da União.

 

* Por ser Procurador do Estado, o autor encontra-se impedido de exercer a advocacia contra a Fazenda Pública do Estado de Goiás. 

 

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